Elisa Dayrell, mineira de Belo Horizonte, alcançou um de seus maiores sonhos de ser chef pâtisserie ao se formar pela Le Cordon Bleu de Paris, uma das melhores escolas de confeitaria do mundo, e estagiar na Dalloyau, uma traiteur tradicionalíssima da cidade luz. Ela voltou para sua terra natal com intuito de trazer um pedacinho da França para BH. Instalado no bairro Funcionários na capital mineira, o cantinho francês levou o nome de Espetacular Doceria. Elisa nos contou um pouco de sua trajetória no ramo da confeitaria para que sirva de inspiração para muitos de vocês.
Seu destino já estava entrelaçado com o artesanato desde menina. Ela sempre soube que faria sucesso com algo que pudesse ser preparado por suas próprias mãos. O que a belorizontina não imaginava quando pequenina era que sua arte também seria advinda do paladar. “Não como legume, nem verdura e nem frutas”, pontua.
Foi então, que em algum momento de sua vida ela decidiu que queria ser médica. Isso mesmo. E começou a estudar em um cursinho preparatório para prestar vestibular para medicina. Mas quando ela olhava para o futuro, pensava que só ganharia seu próprio dinheiro a um prazo muito distante e daí veio seus primeiros passos dentro de uma cozinha de confeitaria. Arriscou com brigadeiros que ela vendia durante os dias de aula e, como o tino para o comércio ainda não era aflorado, ela contava com a ajuda de uma amiga para vender seus quitutes. Em pouco tempo os tradicionais docinhos brasileiros preparados por Elisa se tornaram os queridinhos da escola e os elogios começaram a aparecer com frequência. Sucesso total.
Os clientes estavam encantados. “A princípio eu não conseguia entender, pois algo que para mim parecia tão simples, para os clientes era incrível. Foi aí que eu percebi que eu realmente tinha algum talento para a confeitaria e eu estava ali no cursinho caminhando para o lado errado. Eu não precisava da medicina na minha vida. Eu precisava era da gastronomia”.
Ao contar para os pais sobre essa escolha, Elisa recebeu apoio, mas também considerações por parte do pai de que ela deveria cursar uma outra faculdade e sugeriu administração. “Foi a melhor coisa que eu fiz. Eu agradeço todos os dias por ele ter insistido para eu fazer o curso de administração”, esclarece Elisa.
Então decidido. Elisa começou a cursar gastronomia e administração ao mesmo tempo. Nas aulas práticas do curso de culinária era ela quem sempre fazia os doces. Sua paixão. Daí para frente ela começou a encarar as encomendas. “Eu sempre fui muito corajosa. Às vezes as pessoas me pediam para fazer um doce ou um bolo que eu nunca tinha visto ou ouvido falar e eu falava que fazia. Procurava logo uma receita e dava conta de fazer. E foi aí que comecei a confiar em mim”, lembra.
O marketing que ela tinha na época era o boca a boca. Seu espaço era a cozinha da casa dos pais, no princípio, claro. Porque com o aumento da demanda, ela começou a ocupar a sala também, e depois a dispensa. E assim foram cinco anos trabalhando em casa. “Meu pai e minha mãe já não aguentavam mais porque a bagunça só aumentava. Cheguei a ocupar um terço da casa deles até perceber que precisava sair dali”, diz Elisa.
A Le Cordon Bleu
Mesmo depois de se formar no curso de gastronomia, Elisa sentia que o conhecimento que ela tinha sobre confeitaria ainda era muito básico e que precisava de mais informações. Daí o sonho de ir a Paris e estudar na Le Cordon Bleu. Um sonho que ela ainda via como algo bem distante de sua realidade. Mas obstinada que era, traçou um plano. Um simples plano que poderia ser pensado por qualquer um, mas de difícil execução para a maioria das pessoas. “Comecei a juntar dinheiro insanamente. Passou a ser meu objetivo de vida. Eu não gastei nada durante dois anos. E para mim era mais fácil porque eu morava com meus pais. Mas também eu não fazia absolutamente nada. Abri mão de muita coisa, comprinhas, balada com amigos. Tudo para conseguir realizar este sonho. Mas valeu a pena. Dois anos da minha vida para realizar um sonho é pouco, não é?!”, reflete a chef.
Cada centavo era contado. Separava o suficiente para pagar as contas do seu negócio e, três meses antes de viajar, entrou no orçamento também um curso de francês, curso este que ela fez intensamente e garante ter sido essencial para as aulas na Le Cordon Bleu.
Segundo Elisa, as aulas teóricas são em francês com tradução simultânea para o inglês, feita por outro chef. Mas nas aulas práticas só têm o chef principal. ” Então você tem que se virar, se tiver alguma dúvida tem que entender o francês ou se contentar com o inglês escasso do chef. Não dá. Percebi que quem falava francês tinha vantagem. Então, estudei muito enquanto estava lá também”.
Elisa conta ainda que eram 12 horas de aula por dia. De 9 da manhã às 9 da noite. “Eu nem levava celular para não haver nenhum tipo de distração. Eu anotava tudo. Todos os detalhes. Chegava em casa e passava tudo a limpo. Estudava até meia noite”, lembra. Foram nove meses de curso e depois mais seis meses de estágio na Dalloyau, confeitaria que existe na França desde 1802.
Hora de colocar em prática
Ao chegar em Belo Horizonte, Elisa se empolgou para colocar suas técnicas em prática, mas acabou se deparando com mais algumas barreiras. Produto diferente, dificuldade de encontrar alguns ingredientes, a temperatura. Tudo influenciava no resultado final da receita. Ou seja, foi preciso ainda mais esforço para recriar e retrabalhar o que ela havia aprendido. “Eu não desisti. Tive que metrizar quase tudo e adaptar ingredientes”.
Para quem já teve alguma experiência com confeitaria sabe o quanto obedecer a métrica é essencial. Elisa teve que encontrar o caminho exato para suas receitas até ela conseguir atingir os pontos e resultados que ela considerava ideal para a qualidade de seus produtos. E depois disso, ainda teve que treinar sua equipe a valorizar e respeitar cada grama metrizada. “Nós temos aqui uma pasta com todas as receitas. Aí você vê lá: 3 gramas de gelatina e pensa que 5 gramas tá bom. Não. Não dá. Vai dar diferença no resultado”.
O trabalho com confeitaria é tão rico em detalhes e exige tanta dedicação que até mesmo as massas das camadas dos bolos da Espetacular Doceria são pesadas antes de serem assadas. Todas as camadas dos bolos precisam manter o mesmo tamanho, o mesmo peso. Esse esforço ajuda a manter o padrão, claro, mas também ajuda a diminuir as perdas.
“Foi difícil chegar até aqui. Muito trabalho, muito teste, muita receita jogada fora. O Macaron, que é o “carro-chefe” da casa, eu fiz mais de 20 receitas para chegar no ponto correto. Eu abri a loja e só seis meses depois eu consegui colocar o macaron à venda e eu fiquei extremamente decepcionada porque eu trabalhei fazendo mais de 10 mil macarons por dia e não conseguia fazer um único quando eu voltei”, explica Elisa Dayrell.
Com o tempo, veio a experiência que somado a diversidade de sabores conhecidos e à técnica, Elisa foi capaz de criar suas próprias receitas.
A Espetacular Doceria
“Quando abri o café eu só pensava nos meus objetivos: ‘eu quero que a pessoa entre aqui e se sinta na França. Experimente alguma coisa que traga uma memória de uma viagem ou alguma experiência com a França. Já tive clientes que vieram aqui e falaram: eu estava em Paris e comi um crème brûlée maravilhoso, mas o seu está melhor. E isso é a melhor coisa que eu poderia ouvir depois de tanto trabalho”, conta a chef patisserie.
A ideia de abrir o café sempre existiu na cabeça de Elisa, mesmo com a resistência de seus pais, que achavam que a porta para a rua poderia ser um problema devido aos custos. Eles sempre a alertaram para ir com calma. Quando ela foi procurar o ponto para montar sua cozinha e desafogar a casa dos pais, ela fez questão de escolher um ambiente que em um segundo momento lhe desse essa possibilidade. Cinco meses depois de montar sua cozinha, ela já estava abrindo o café, que está prestes a completar dois anos em 2018.
“Eu sabia que seria um grande desafio, porque manter loja é manter vitrine, e manter vitrine não é nada fácil. Tem que ter a noção de quantas pessoas a casa comporta, tem que ser bebida a servir, salgado… estruturar tudo isso não foi fácil. Mas a loja também foi pensada para que cada item de confeitaria em tamanho pequeno se torne um produto de encomenda em outros tamanhos”.
Novos Sonhos
Apesar de toda a felicidade em ter realizado seu sonho até aqui, Elisa diz se permitir cada vez que cumpre um desafio, sonhar mais.
Hoje ela tenta entrar para o mercado de casamentos confeccionando doces finos que mais parecem joias e deseja descobrir novos sabores para complementar suas receitas. “Sempre sinto necessidade de dar um passo à frente. Estou feliz com meus macarons? Estou. Mas quero descobrir novos sabores. E acredito que cozinhar é isso. Se você para e estagna, você nunca vai ser melhor. O mundo está sempre aí com novas tendências e se eu não as acompanhar eu vou ficar para trás”, complementa.
Dica para quem quer se aventurar a fazer Macarons
E para finalizar, Elisa Dayrell, que já confeccionou cerca de 10 mil macarons por dia enquanto trabalhava na Dalloyau, em Paris, deixa uma dica para quem deseja se aventurar a fazer esta iguaria pela primeira vez.
“A primeira dica que dou para quem está aprendendo a fazer macaron é: faça só o macaron quando você estiver fazendo macarons. Não faça um brigadeiro ou uma trufa, por exemplo. Concentra no macaron. E todo mundo que estiver na cozinha com você, também deve estar focado no macaron. Porque ele requer um cuidado especial que quando você é iniciante, qualquer detalhe de erro compromete toda a produção. Um grau que passar no termômetro já faz toda a diferença. Os ingredientes são caros, você não vai querer perder sua receita. Então, perca o tempo que for, mas faça só o macaron. Foca nele para ter um resultado positivo”.
Serviço Espetacular Doceria
Ateliê de confeitaria especializado em pâtisserie francesa
Endereço: Rua Bernardo Guimarães, 229 – Funcionários – Belo Horizonte/MG
Funcionamento: De segunda a sexta de 9h às 19h
Tel: (31) 2535-0790/(31)98888-0790